A palavra da mulher vítima de
abuso sexual deve ter uma credibilidade por parte das autoridades responsáveis
por investigar crimes dessa natureza. Em vários casos, a mulher, acuada,
envergonhada, humilhada e temerosa de que a narrativa do abuso não será ouvida e à qual foi obrigada
a sofrer, se cala e não busca os órgãos da justiça criminal.
O medo do julgamento e/ou da
reação social faz com que o agressor pratique reiteradamente fatos graves que
acarretam sequelas e traumas de ordem psicológica, familiar e profissional na vida
das mulheres. Nesse post escolhi a
vítima mulher, mas nada impede que a vítima possa ser homem ou qualquer pessoa
com orientação sexual diversa.
Tais fatos ocorrem em
situações de vulnerabilidade em que a mulher procura profissionais da saúde em
consultas periódicas e exames, de orientação profissional, de orientação
religiosa, entre outras. Em casos dessa natureza, as mulheres muitas vezes não
questionam, a priori, o procedimento
e são abusadas sexualmente, por não terem condições de defesa. Ora, qual seria
a mulher que após ser anestesiada ou sedada conseguiria deter o invasor? Quem
iria acreditar na palavra delas? Quem iria contestar o conhecimento de um
profissional da área da saúde e/ou de ordem religiosa renomado?
Na maioria das hipóteses a
denúncia é vista com desconfiança. Frases que ouço em grupos presenciais e
virtuais: “Será que isso é verdade?”; “Será que ela deu causa?”; “Qual a roupa
ela estava vestindo?”; “Ela quer é aparecer!”; “Essa mulher é louca!”. A desconfiança e a métrica social faz com que
muitas dessas mulheres vítimas, se calem.
Nesse contexto, as instituições
totais denominadas por Goffman (2013), categorizadas em várias modalidades, trazem
exemplos de situações nas quais o rótulo dado ao sujeito é aparente, entre elas: lugares destinados
a cuidar de pessoas inofensivas como pessoas portadoras de necessidades especiais,
idosos; locais que tenham cuidados médicos para tratamento de pessoas com
enfermidade graves e transmissíveis, como tuberculosos e leprosos; instituições
que segregam a liberdade do indivíduo por ostentar periculosidade, por terem violado
a lei.
Explico: quem não se recorda
do médico Roger
Abdelmassih, condenado pela juíza “Kenarik Boujikian Felippe, da 16ª Vara Criminal de São Paulo, condenou
Abdelmassih a 278 anos de prisão pelos crimes de estupro, tentativa de estupro
e atentado ao pudor. No total, 250 testemunhas foram ouvidas num processo
registrado em dez mil páginas. A juíza entendeu que “o ato em si era
absolutamente inesperado, pois (as pacientes) jamais imaginariam que (...) o
médico, em quem depositavam confiança, pudesse (...) beijá-las na boca, com
língua, ou que ele pudesse passar a mão em seus corpos e ainda, em alguns
casos, praticasse ato libidinoso invasivo (carnal ou anal)”. O Ministério
Público denunciou o médico por 52 estupros e quatro tentativas de estupro
contra 39 mulheres. Algumas das ex-pacientes foram violentadas mais de uma vez,
sendo ouvidas em depoimento vítimas e testemunhas de vários estados, como São
Paulo, Minas Gerais, Paraná, Rio Grande do Norte, Piauí e Rio de Janeiro”
(JORNAL O GLOBO, 21/08/2017).
Outro
caso emblemático foi das “antigas ginastas da seleção norte-americana, entre as
quais uma medalhada olímpica, denunciaram, na sexta-feira, os alegados abusos
sexuais infligidos por um ex-médico da equipa, numa reportagem a emitir pela
CBS News. O advogado John Manly, que representa mais de 40 mulheres num
processo contra a federação de ginástica dos Estados Unidos, disse que o médico
Lawrence Nassar poderá ter abusado de centenas de mulheres durante mais de duas
décadas, algumas delas olímpicas e a mais nova com cerca de nove anos” (MAIS
FUTEBOL, 2017).
Por
último, as denúncias recentes de mulheres envolvendo o líder religioso de
Abadiânia, João de Deus, em práticas de abusos sexuais. Sem tecer julgamento de
valor neste último caso, tendo em vista que ainda está sendo apurado, o fato é
que o padrão de conduta dos envolvidos é bem parecido, levando-se em conta as
narrativas das vítimas e a coragem de várias outras mulheres de denunciarem os
agressores.
Portanto,
é preciso que as vítimas tenham força para levarem adiante as denúncias contra
pessoas, na maioria dos casos, homens, que possuem algum tipo de influência
e/ou poder temporária sobre a elas para evitar que outras mulheres sejam abusadas ad perpetuam.
Fontes:
BARROS,
Gisele. Médico Roger Abdelmassih,
condenado a 181 anos de prisão, estuprou 37 mulheres. Disponível em: <https://acervo.oglobo.globo.com/em-destaque/medico-roger-abdelmassih-condenado-181-anos-de-prisao-estuprou-37-mulheres-21729089#ixzz5ZEJpZpih>.
Acesso em 9 dez. 2018.
Disponível
em:
<https://maisfutebol.iol.pt/ginastica/modalidades/estados-unidos-antigas-ginastas-denunciam-abusos-sexuais>.
Acesso em 9 dez. 2018.
CANCIAN, Natália. Denúncias de assédio contra João de Deus
choca moradores em cidade do interior de GO. Disponível em:
https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2018/12/denuncias-de-assedio-por-joao-de-deus-geram-medo-em-cidade-dointeriorgoias.shtml>.
Acesso em 9 dez. 2018
GOFFMAN, Irving. Estigma: notas sobre a manipulação da
identidade deteriorada. Tradução de Márcia Bandeira de Mello Leite Nunes. 4.
ed. Rio de Janeiro: LTC, 2013.
Fonte da imagem: https://catracalivre.com.br/wp-content/uploads/2015/12/violencia_contra_a_mulher-e1450290943917.jpg