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domingo, 9 de dezembro de 2018

A VALIDADE DA PALAVRA DA MULHER VÍTIMA DE ABUSO SEXUAL


A palavra da mulher vítima de abuso sexual deve ter uma credibilidade por parte das autoridades responsáveis por investigar crimes dessa natureza. Em vários casos, a mulher, acuada, envergonhada, humilhada e temerosa de que a narrativa do abuso não será ouvida e à qual foi obrigada a sofrer, se cala e não busca os órgãos da justiça criminal.

O medo do julgamento e/ou da reação social faz com que o agressor pratique reiteradamente fatos graves que acarretam sequelas e traumas de ordem  psicológica, familiar e profissional na vida das mulheres. Nesse post escolhi a vítima mulher, mas nada impede que a vítima possa ser homem ou qualquer pessoa com orientação sexual diversa.

Tais fatos ocorrem em situações de vulnerabilidade em que a mulher procura profissionais da saúde em consultas periódicas e exames, de orientação profissional, de orientação religiosa, entre outras. Em casos dessa natureza, as mulheres muitas vezes não questionam, a priori, o procedimento e são abusadas sexualmente, por não terem condições de defesa. Ora, qual seria a mulher que após ser anestesiada ou sedada conseguiria deter o invasor? Quem iria acreditar na palavra delas? Quem iria contestar o conhecimento de um profissional da área da saúde e/ou de ordem religiosa renomado?

Na maioria das hipóteses a denúncia é vista com desconfiança. Frases que ouço em grupos presenciais e virtuais: “Será que isso é verdade?”; “Será que ela deu causa?”; “Qual a roupa ela estava vestindo?”; “Ela quer é aparecer!”; “Essa mulher é louca!”.  A desconfiança e a métrica social faz com que muitas dessas mulheres vítimas, se calem.

Nesse contexto, as instituições totais denominadas por Goffman (2013), categorizadas em várias modalidades, trazem exemplos de situações nas quais o rótulo dado ao sujeito é aparente, entre elas: lugares destinados a cuidar de pessoas inofensivas como pessoas portadoras de necessidades especiais, idosos; locais que tenham cuidados médicos para tratamento de pessoas com enfermidade graves e transmissíveis, como tuberculosos e leprosos; instituições que segregam a liberdade do indivíduo por ostentar periculosidade, por terem violado a lei.

Explico: quem não se recorda do médico Roger Abdelmassih, condenado pela juíza “Kenarik Boujikian Felippe, da 16ª Vara Criminal de São Paulo, condenou Abdelmassih a 278 anos de prisão pelos crimes de estupro, tentativa de estupro e atentado ao pudor. No total, 250 testemunhas foram ouvidas num processo registrado em dez mil páginas. A juíza entendeu que “o ato em si era absolutamente inesperado, pois (as pacientes) jamais imaginariam que (...) o médico, em quem depositavam confiança, pudesse (...) beijá-las na boca, com língua, ou que ele pudesse passar a mão em seus corpos e ainda, em alguns casos, praticasse ato libidinoso invasivo (carnal ou anal)”. O Ministério Público denunciou o médico por 52 estupros e quatro tentativas de estupro contra 39 mulheres. Algumas das ex-pacientes foram violentadas mais de uma vez, sendo ouvidas em depoimento vítimas e testemunhas de vários estados, como São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Rio Grande do Norte, Piauí e Rio de Janeiro” (JORNAL O GLOBO, 21/08/2017).

Outro caso emblemático foi das “antigas ginastas da seleção norte-americana, entre as quais uma medalhada olímpica, denunciaram, na sexta-feira, os alegados abusos sexuais infligidos por um ex-médico da equipa, numa reportagem a emitir pela CBS News. O advogado John Manly, que representa mais de 40 mulheres num processo contra a federação de ginástica dos Estados Unidos, disse que o médico Lawrence Nassar poderá ter abusado de centenas de mulheres durante mais de duas décadas, algumas delas olímpicas e a mais nova com cerca de nove anos” (MAIS FUTEBOL, 2017).

Por último, as denúncias recentes de mulheres envolvendo o líder religioso de Abadiânia, João de Deus, em práticas de abusos sexuais. Sem tecer julgamento de valor neste último caso, tendo em vista que ainda está sendo apurado, o fato é que o padrão de conduta dos envolvidos é bem parecido, levando-se em conta as narrativas das vítimas e a coragem de várias outras mulheres de denunciarem os agressores.

Portanto, é preciso que as vítimas tenham força para levarem adiante as denúncias contra pessoas, na maioria dos casos, homens, que possuem algum tipo de influência e/ou poder temporária sobre a elas para evitar que outras mulheres sejam abusadas ad perpetuam.

Fontes:
 
BARROS, Gisele. Médico Roger Abdelmassih, condenado a 181 anos de prisão, estuprou 37 mulheres. Disponível em: <https://acervo.oglobo.globo.com/em-destaque/medico-roger-abdelmassih-condenado-181-anos-de-prisao-estuprou-37-mulheres-21729089#ixzz5ZEJpZpih>. Acesso em 9 dez. 2018. 
Disponível em: <https://maisfutebol.iol.pt/ginastica/modalidades/estados-unidos-antigas-ginastas-denunciam-abusos-sexuais>. Acesso em 9 dez. 2018.  
CANCIAN, Natália. Denúncias de assédio contra João de Deus choca moradores em cidade do interior de GO. Disponível em:  https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2018/12/denuncias-de-assedio-por-joao-de-deus-geram-medo-em-cidade-dointeriorgoias.shtml>. Acesso em 9 dez. 2018
GOFFMAN, Irving. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. Tradução de Márcia Bandeira de Mello Leite Nunes. 4. ed. Rio de Janeiro: LTC, 2013.

Fonte da imagem: https://catracalivre.com.br/wp-content/uploads/2015/12/violencia_contra_a_mulher-e1450290943917.jpg

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